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sexta-feira, 16 julho 2021 13:08

Mubhavi, cacana ou Kakana (Momordica balsamina): da gastronomia à medicina

Cacana ou Momordica balsamina Cacana ou Momordica balsamina

Mubhavi em língua Xitswa, Cacana ou Kakana (derivante do nome em Changana, Nkaka), são os nomes locais Moçambicanos de Momordica balsamina, uma planta herbácea trepadeira, ou rasteira, perene, espalhada por quase toda a África, Ásia e algumas regiões tropicais da Austrália e América. Esta espécie cresce em terrenos de cultivo das regiões tropical e subtropical.

Faz parte das espécies largamente utilizadas como plantas medicinais pelos povos locais de Moçambique. Para além dos vários usos da planta esta possui uma capacidade de melhorar a qualidade dos solos, tornando-os mais férteis e produtivos.

Na região Sul de Moçambique, para além de ser usada para fins medicinais, é também, e preferencialmente, usada como alimento, sendo o caril e xiguinha de cacana, as mais famosas receitas:

 

A xiguinha de cacana

O processo de preparação da cacana começa muito antes de se chegar a cozinha. Ou seja, começa na machamba ou o local em que tiver cacana no qual retira-se esta dos ramos. A tia Guida, quem embarca connosco nesta viagem, explica que se deve tirar as folhas das extremidades da planta, que são as mais frescas. Este é um processo, diga-se, penoso mas, pelo qual percebe-se que vale a pena passar quando se degusta o alimento.

Para preparar a xiguinha de cacana, conta a dona Guida, são necessários, para uma panela de até cinco litros, três cocos médios, uma tigela com capacidade para dois kg cheia de cacana, e a metade da mesma quantidade de mandioca cortada aos pedaços bem pequenos. “Eu gosto de cortar a mandioca em pedaços bem pequenos, para não encher a boca com um pedaço, porque aqueles pedaços grandes dá-me a impressão de estar a comer apenas mandioca”, refere.

A seguir, deve-se retirar todos os resíduos e lavar a cacana. Paralelamente, lava-se a mandioca previamente cortada e coloca-se na panela juntamente com leite de coco, acrescenta-se sal que baste e leva-se o conteúdo ao fogo, onde deverá permanecer até que a mandioca coza. O leite de coco deverá cobrir por completo a mandioca até que esta se perca de vista, para que ela coza bem. Há quem prefira cozer a mandioca com água e sal, e posteriormente acrescentar o leite de coco. Cozida a mandioca, coloca-se a cacana previamente lavada e colocada em um recipiente que permita que toda água escorra.

Colocada a cacana, seguidamente adiciona-se o amendoim pilado, por cima, o qual não se deve mexer. Se estiver a ferver bem a panela fica no fogo por até 15 minutos, este é tempo suficiente para a cacana cozer, sobretudo se esta for fresca. “Deve-se ter o cuidado para não encher mandioca” alerta a nossa entrevistada.

Passados os 15 minutos, mistura-se o conteúdo para que os vários ingredients ganhem consistência, até que seja uma mistura homogénea. Recomenda a nossa entrevistada que se separe uma parte do conteúdo da panela e se coloque em outros recipientes como tigelas, por exemplo, para levá-los a mesa. Assim evita-se estar sempre a mexer o alimento, o que poderá acelerar o processo de apodrecimento, uma vez que não se pode aquecer (explicaremos mais sobre isto adiante).

 

Caril de Cacana

Para além da xiguinha, existe também a opção de fazer o caril de cacana. Para este processo, mistura-se o leite de coco e o amendoim pilado; acrescenta-se sal ao gosto e leva-se ao fogo até a mistura cozer. Assegurada a cozedura, acrescenta-se a cacana previamente lavada. “Deve-se assegurar que o coco e o amendoim estejam bem cozidos antes de colocar a cacana, dado que ela coze muito rápido e, se durar mais tempo no fogo, poderá amargar, mais do que ela naturalmente amargaria se ficasse menos tempo no fogo”. Dona Guida refere que esta opção acompanhada de xima é bem saborosa “mas eu prefiro xiguinha ao caril”

 

Quando consumir a cacana?

Nos tempos antigos, o prato de cacana era confeccionado para servir em cerimônias de carácter diverso, em festas de lobolo, de colheita e outras festas tradicionais. Entretanto, ela  pode ser consumida em qualquer ocasião. Há quem goste de comer em cerimónias festivas, sobretudo no centro urbano, onde que ela é uma raridade.

Um ingrediente chave para que a cacana seja saborosa é o coco. Ele é essencial. Para o caso do caril, a xima é, segundo dona Guida, um óptimo acompanhante, mas também acompanha-se com arroz.

Da planta da cacana nascem também frutos denominados localmente por Tihaka, cujo suco é muito potente no tratamento de pacientes que sofrem de diabetes. Estes frutos, igualmente de sabor amargo, possuem espinhos moles na superfície e se abrem espontaneamente em 3 partes.

Quando maduros, mostram suas sementes vermelhas comestíveis (principalmente por passarinhos), de grande beleza e paladar suave e muito apreciado pelas crianças. A infusão dos frutos maduros é boa para curar hemorroidas.

Estes frutos são também usados para preparar caril ou xiguinha, uma opcão de consumo também muito comum e apreciada entre os consumidores da cacana. Para preparar este alimento obedece-se ao mesmo processo que o da momordica balsamina, entretanto, os frutos devem ser previamente cortados para que se retirem as sementes do seu interior.

Para o efeito, são usados os frutos não maduros, com coloração verde, e estes não devem ficar por muito tempo depois de arrancados, pois mudam a coloração, tornando-se assim inúteis.

É igualmente comum a mistura da cacana com as frutas, tanto para xiguinha, como para o caril.

Podem também ser adicionados ao ovo para a fritura. Para tal ferve-se por cinco minutos os frutos previamente cortados e cujas sementes já fora removidas e bate-se com ovo e sal. Leva-se a fritar e já está.

 

Valor nutricional e medicinal

A cacana tem, segundo o nutricionista Ezequiel Moiokuvila, “um valor nutritivo especial” pois ela contém aminoácidos responsáveis por regenerar as células, contém também proteínas bem como minerais. Os minerais como o magnésio, ferro, potássio, zinco ajudam na regulação do funcionamento do organismo.

Ela é usada na medicina tradicional como anti-malárico, anti-inflamatório, anti-emético e anti-úlcera. Para o tratamento da malária, por exemplo, ela pode ser fervida com papaias pequenas, “esta mistura serve como remédio e pode ser eficaz para algumas pessoas” refere a dona Margarida.

A cacana também ajuda no controlo da hipertensão e de outras doenças cardiovasculares. Tem um grande potencial para ajudar na redução de açúcar no sangue.

Para o caso de Moçambique, por exemplo, a cacana é usada para o alívio de dores de cabeça, barriga, “mas isto depende de como cada organismo responde à medicação” acrescenta o Dr. Moiokuvila.

Para que esta tenha seu poder curativo mais potente, recomenda-se que se faça a infusão, que consiste em ferver as folhas da erva por até cinco minutos, e tomar a água. Todavia, para fugir ou disfarçar o sabor amargo há quem prefira fazer caril ou xiguinha.

O Dr. Ezequiel deixa ficar uma recomendação médica quanto ao consumo da cacana “Eu recomendo o seu consumo, pois é bom; apesar de ser um pouco amarga, ela também tem grandes valores nutricionais”. O nutricionista acrescenta ainda que “Não precisa estar doente para recorrer à cacana. Muito pelo contrário, quando consumida antes de algum mal-estar esta tem potencial para evitá-lo”.

A vovó Marta é nativa da região de Pambara na província de Inhambane e conhecedora de plantas medicinais. A anciã explica que as folhas desta planta eram antigamente usadas pelas lavadeiras para clarear a roupa. Ela refere também que o seu chá pode ser usado em banhos para facilitar o parto em mulheres grávidas e para baixar febres.

As folhas da Cacana, quando esmagadas, tiram uma seiva espumante que serve para curar feridas crônicas numa série de dosagem previamente dada por especialista em curativos tradicionais.

Esta seiva foi também largamente utilizada nos tempos antes da chegada da medicina convencional, como desinfectante quando houvesse ferimentos.

A nossa fonte diz que em casos de anemia ligeira, pode-se receitar chá de cacana para efeitos de recuperação de sangue. Aliás, a vovó Maria disse que o recomendável é que de três em três dias se tome uma chávena deste chá para fortalecer mais as células responsáveis pela produção ou renovação do sangue.

 

Curiosidades

  • Há quem diga que, dependendo da mão da pessoa que coloca a cacana na panela, esta pode ser mais amarga do que seria normalmente, ou não. A dona Guida diz que isso até pode ser verdade, pois muitas pessoas comentam sobre isso.
  • Diz-se também que no inverno, como a canana é escassa, ela é mais saborosa. Presume-se que talvez seja porque não queime muito com sol como no verão.
  • É comum também dizer-se que o caril ou xiguinha de cacana não se aquece, pois amarga mais.

 

Escrito por Vanila Amadeu e Amadeu Quehá para Tsevele

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