Segundo explica a avó Celeste Seneta, de setenta e seis anos de idade, natural da província de Inhambane, o tributo de gratidão faz-se em colectivo entre netos da mesma “barriga”, ou seja, netos e netas de avós ou bisavós maternos comuns. Estes, assessorados pela mãe ou prima-tia, prima de primeiro grau da mãe, organizam-se reunindo as oferendas necessárias e indispensáveis ao acto da cerimónia de Mpondo ya nyimba.
No dia de partida com destino à casa dos avós, os netos vão na companhia das respectivas mães, dos seus cônjuges e, poucas vezes, dos pais. Chegados, os netos dirigem-se a uma palhota, onde guardam os brindes ao mesmo tempo que são recebidos com pompa e mimos ao som de “mikulungwanas” que anunciam um dia alegre e festivo.
Para receber os hóspedes, a família dos avós convida alguns vizinhos mais próximos e a autoridade tradicional local, que igualmente permanecem para os momentos subsequentes do evento.
A cerimónia de mpondo ya nyimba acontece pela manhã, muito cedo. Instantes antes do seu início, a mãe ou tia que acompanha os filhos ou sobrinhos reúne os seus pais numa palhota para formalizar o propósito da visita. É nesta pequena “sentada” que a acompanhante enumera e refere os nomes dos netos presentes e apresenta os artigos por eles trazidos. As prendas vão de acordo com as capacidades dos netos, em função das necessidades dos avós.
No conjunto dos regalos existem artigos imprescindíveis. Nas bebidas, oferece-se as tradicionais como utchema, ukanyi, uputsu, etc. Quanto ao vestuário, são obrigatórios dois fatos para ambos os avós, acompanhados de chapéu e lenço, bengala – “tchongotelo” e “dhoji ga foli” – um pequeno frasco de tabaco em pó da avó.
A cerimónia da entrega de Mpondo ya nyimba inicia com o culto tradicional de evocação dos antepassados conhecido por “ku phalha”. Em volta do tronco-altar, todos os participantes sentam-se para ouvir o ancião da família dos avós responsável por orientar cerimónias tradicionais. Ele começa por saudar os espíritos dos antepassados, evocando-os pelos nomes. Informa sobre a situação da saúde da família ou do clã desde a última sessão de “ku phalha” e anuncia o propósito do dia.
Seguidamente, o “mestre de cerimónia” faz a apresentação nominal de cada neto presente e informa aos espíritos a conformidade dos artigos trazidos para o tributo ao mesmo tempo que, simbolicamente, oferece bebida aos antepassados. Continuando, enaltece os netos pela iniciativa de agradecer aos avós e pede aos espíritos para que a sorte se multiplique e que tudo na vida dos netos em questão corra bem.
Antes de o ancião terminar a sua intervenção, um dos netos, em representação dos demais, faz um discurso aos avós-espíritos a pedir protecção contra o mal para todos os netos.
Findas as considerações iniciais, começa a segunda e última parte da cerimónia, em que se preparam as refeições, na presença de todos os participantes. A tomada da refeição é seguida de “beberetes” celebrando a vinda dos netos bem como em jeito de agradecimento aos espíritos por terem possibilitado a realização do evento.
No entanto, os hóspedes não partem no mesmo dia de acontecimento de Mpondo ya nyimba, devendo passar uma noite na casa dos avós para que, no dia seguinte, o ancião orientador da cerimónia, com a inspiração dos antepassados, possa aferir o sucesso do evento (aos olhos dos ancestrais) ou se alguém de má fé terá lançado algum feitiço.
Concluído o balanço do ritual, os netos, antes de partirem de volta às respectivas casas, regressam ao local de preces com algumas oferendas, para se despedir.
A entrega de Mpondo ya nyimba é vista como o acto mais importante que os netos podem fazer à família da mãe. Constitui um gesto profundo e formal de manifestar amor e carinho aos avós maternos por terem cuidado da mulher responsável pela geração das suas vidas.
Mpondo ya nyimba e o kukhoxa
Antes da cerimónia da entrega de Mpondo ya nyimba, os netos maternos ainda não são autorizados a fazer “kukhoxa”. Quando um neto materno se faz à casa ou família dos avós, é considerado como dono de todas as coisas, cabendo a ele o direito de receber todas as honras, o direito de levar ou usar qualquer objecto que quiser, apanhar ou arrancar frutas, abater animais para a carne ou levar consigo à casa. É a isso que se designa por kukhoxa.
No caso de, por exemplo, um neto arrancar cocos sem ter cumprido com este ritual, no mínimo deve fazer uma oferta, deixando dinheiro embaixo da planta antes de arrancar seus frutos. Se o neto assim não proceder, após arrancar os frutos, a fruteira torna-se imunda e não dará frutos e se der, cairão prematuramente sem serem aproveitados, explicou a avó Celeste.
Escrito por Amadeu Quehá para Tsevele