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quinta-feira, 24 setembro 2020 18:24

Nzhumba: da harmonia rítmica à comunicação entre os vivos e os mortos

Simão Fenias Mutsenga, executor de nzumba Simão Fenias Mutsenga, executor de nzumba

Nzhumba é o nome de uma dança originária dos antigos povos da África Austral, tendo Maguiguana como a principal referência que permitiu que esta expressão cultural chegasse ao povo moçambicano.

Simão Fenias Mutsenga, conhecido nos meandros culturais por Maphangui , nascido em 1959, deu-nos a conhecer a essência do Nzhumba, seu percurso até aos nossos dias. Segundo Maphangue, Nzhumba, sendo uma expressão cultural baseada na dança e acompanhada por canto, era executado inicialmente apenas por indivíduos do sexo masculino.

Marhongue

Actualmente, homens e mulheres podem executar a dança, dependendo da sua capacidade, dado que a dança exige muito esforço físico para produzir som harmonioso, combinando com o som dos diversos artefactos usados na sua execução. Crianças também podem executar a dança, aliás, esta é, sem dúvidas, uma das formas de transmitir Nzhumba às gerações futuras.

Nzhumba é uma dança tradicional típica de África, de acordo com o nosso entrevistado, executada nos momentos alegres para celebrar as conquistas na aldeia, tal é o caso de agradecer os espíritos dos ancestrais por uma boa colheita, uma boa caçada entre outros sucessos. A dança serve também para celebrar alegrias resultantes de casamentos e recepção de filhos regressados de uma batalha ou de uma jornada de trabalho longe de casa.

Para além de celebrar felicidades, de acordo com Maphangui, o Nzhumba era também executado para manifestar sentimentos de dor, com o objectivo de fazer devoção aos espíritos dos ancestrais para receberem e conservarem junto deles, a alma do falecido, em caso de perda de um membro na família ou na aldeia. Para pedir aos antepassados, chuva, comida e outras dádivas, recorriam a esta dança para manifestar os seu desejo de forma colectiva e solene.

Para a execução da dança, Maphangui descreve os principais instrumentos:
Xikhulo/Ngoma é um batuque feito com base em tambor e pele de boi. É o batuque maior . Serve para tocar o baixo e manter o ritmo da dança. O instrumento toca-se com as mãos, mantendo continuamente o mesmo ritmo sem parar, até ao final da faixa.

Tchinga. De tamanho médio, este intervém na entoação do Njhomani e toca sem parar, responsabilizando-se dos momentos de dança onde seja necessário imprimir maior dinâmica e aceleração. Para tocar este batuque usa-se pedaços de pau devidamente concebidos para o efeito.

Njhomani é um batuque menor, de som fino e lindo. Pode-se comparar a função deste batuque à da viola a solo. Deste depende toda a harmonia rítmica da dança, bem como a variação rítmica da canção. É este pequeno batuque que entoa, junto com a primeira voz, para a recepção pelo Tchinga, que vai avisar Xikhulo para a festa.

Na execução do Nzhumba entram outros elementos não menos importantes, para garantir efeitos sonoros que, misturados com o som da canção entoada, oferecem uma harmoniosa melódia que desperta a atenção dos espíritos dos ancestrais durante a dança, aliás, é preciso chegar a esse ponto para que a mensagem atinja os defuntos de modo a receber a “prece”.

Massekani é um instrumento obtido com base em titsulo (na língua Citswa) seco-uma espécie de capim, mas com propriedades de resistência e difícil destruição, que se tecem sucessivamente, uma junto da outra, unidos por uma corda que depois ata-se em volta da cintura, tomando configuração de uma saia. É este instrumento que, ao dançar, e devido ao estado seco de titsulo, torna-se leve e fácil de abanar à medida que o/a dançarino/a move-se. Este emite um som que se vai harmonizando com o resto da orquestra. Massekani é um instrumento indispensável, sendo por isso que a sua conservação mostra-se sempre prioritária.

Outro artefacto importantíssimo é Marhongue, um material que como mostra a figura, é feito com base em pequenas massalas que depois de esvaziadas e postas a secar, introduz-se nelas tissassani - pequenas sementes que juntas, e quando abanadas, emitem um som. Estas pequenas massalas secas com tissassani por dentro, atam-se de forma sucessiva em volta de dois paus pequenos, e, depois amarradas igualmente com quatro curtas cordas para com essas cordas, atar-se na perna direita do dançarino ou da dançarina, por ser a perna que mais move-se durante a execução do Nzhumba.

Para completar a orquestra, temos o Muhambi, ou seja, Timbila. O Mestre Maphangui explica que há três categorias de Muhambi, nomeadamente Ximhonguana, Binga e Zhanga, respectivamente, o menor, o médio e o maior. Estas três categorias de Muhambi, intervêm, cada um à sua vez, cabendo ao menor entoar ou anunciar o início da música/dança juntamente com Njhomani, como fizemos referência anteriormente.

Já com a orquestra completa, vamos a fase da execução do Nzhumba.
O nosso entrevistado explicou que, antes de início da execução da dança, primeiro evoca-se os espíritos dos ancestrais, para explicar o motivo pelo qual se vai dançar Nzhumba nesse dia, numa pequena cerimônia dirigida pelo chefe da Orquestra, devendo este oferecer aos espíritos, nipa ou tontonto - aguardente. Isso acontece depois de os dançarinos se posicionarem em forma de um círculo prontos para iniciar com a execução da dança.

E pronto, o Nzhumba já pode começar, com o Njhomani a entoar ao mesmo tempo que o Ximhongwani bem como a voz do solista arranca. O Tchinga, recebendo a entoação, comunica ao Xikhulu, o arranque de mais uma jornada de dança e canto, uma simbiose que se completa com os mikulungwanas (alaridos) anunciando a festa. E assim executa-se o Nzhumba.

O Nzhumba constitui uma herança cultural, cuja abordagem transcende os limites geográficos, havendo por isso a obrigatoriedade da sua integração no currículo local de ensino, como forma de imortalizar a dança e transmitir de geração em geração.

Através do nzhumba, os seus praticantes acreditam ser possível o contacto entre os vivos e os mortos, estabelecendo uma comunicação que se traduz no bem-estar físico e emocional dos que executam a dança.

Escrito por Amadeu Quehá para Tsevele

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